quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Amigos, amigos...

Negócios à parte. Já é um ditado bem velhinho, do tempo dos nossos tetaravós, sobejamente conhecido por todos mas por vezes ignorado.

Era uma vez uma amiga, uma grande amiga que tinha uma empresa de engenharia e que se tinha associado a um construtor com o objectivo de alargar os clientes e trabalhar pois encontrava-se desempregada.

Era uma vez a cliente, amiga da engenheira. Tinha uma casa velhinha que precisava de umas mega obras para poder ser habitada pela familia da cliente, cliente, marido e filhos de 4 anos.

Quando a amiga engenheira soube que a cliente gostava de fazer obras na sua casa, propos-se ser ela a apresentar uma proposta e a liderar a obra. Como os orçamentos em causa andavam todos ela por ela, a cliente achou que podia ajudar a amiga aceitando que fosse ela e o empreiteiro "socio" dela a realiza-la. Era um ganho-ganho. Ganhava a cliente pois teria a certeza que não seriam roubados pois a amiga trataria de arranjar os preços justos para obra, ela garantia a cliente que a obra ficava pronta em 2 meses, coisa que outros enmpreiteiros não garantiam e ganhava ela, pela experiencia e o empreiteiro por mais uma obra que nos tempos que correm não era nada facil arranjar.

Pois deixemo-nos de rodeios. Está claro que a cliente era eu.

Vendemos a nossa casa em Março e preparamo-nos para que a obra começasse imediatamente pois levaria 2 meses se tudo corresse bem. 2 meses mais que suficientes para nós que tinhamos vendido a nossa casa para poder efectuar as obras e só tinhamos 2 meses até ficarmos sem casa. Era um risco e tudo tinha de ser cumprido à risca. Mas, as coisas não se desenrolaram conforme previsto e os imprevistos começaram a acontecer. O banco atrasou-se imenso na aprovação do crédito, o empreiteiro não quis começar a obra enquanto não visse algum e depois do crédito aprovado o banco exigia que a obra ja estivesse a decorrer para nos dar a 1ª tranche. Era o efeito ping pong. Sem dinheiro não podiamos avançar com a obra e como tal nunca receberiamos o dinheiro do banco. Até que,  em 15 de Abril lá arranjámos maneira de avançar com algum, pedindo dinheiro emprestado à familia. E as obras começaram com... quase 2 meses de atraso, devagarinho, bem devagarinho à medida do dinheiro que chegava às pinguinhas pois o banco só ia dando mais à medida que a obra estivesse concluida e o empreiteiro só fazia a obra quando recebesse dinheiro. Resultado, 2 meses depois da venda da nossa casa, estavamos sem casa. A nossa vendida e ocupada, e a outra em obras totais, impossiveis sequer de arranjar um cantinho onde pudessemos viver. Totalmente destruida.

O tempo passou... as obras que tinham começado com quase dois meses de atraso decorriam a passo de caracol. O dinheiro esse também chegava gota a gota. Nós sem casa, tivemos de viver com a casa às costas literalmente, passeando-nos entre uma casa emprestada, hotel e casa de férias na Figueira da Foz.  Tive de tirar férias forçadas pois era isso ou ficar a viver com os meus pais sozinha enquanto pai e filhos iam para a Figueira. E o dinheiro que se gastou entre hoteis, armazém, etc. Incalculavel. Os miudos entretanto ficaram sem colégio pois como andávamos tipo caracol, não conseguiamos que eles se mantivessem no colégio antigo nem que já fossem para o novo.

Passou-se Maio, Junho, Julho e chegaram as tão desejadas férias. Aquelas férias que todos nós desejamos para pôr para tras das costas os nossos problemas, para descansarmos, rirmos, divertirmo-nos e estarmos com os amigos e familia. Em finais de Julho fizemos um ultimatum às obras. Tinha-se tornado impossivel esperar mais. Além de já termos esgotado as nossas poupanças em hoteis por não termos casa, estavamos fartos e os miudos esgotados da nossa vida inconstante.

Num esforço intensivo, o empreiteiro conseguiu acabar o 1º andar por forma a podermos ir para lá. O r/c onde se encontravam os quartos e a cozinha ainda estava por acabar, bem como as escadas interiores que ligavam o r/c ao 1º andar mas, não tinhamos outra alternativa se não viver uns tempos no 1º andar, nuns colchões improvisados.

Depois de mais cerca de 2 semanas a viver no 1º andar, eis que o r/c fica pronto e podemos mudar-nos para os nossos quartos. Ainda faltavam muitos acabamentos e pormenores, nomeadamente a escada interior que ainda não havia, mas tinhamos então as condições minimas de alojamento. Estavamos já no final de Julho. As ferias tinham começado.

O exterior era ainda um monte de tábuas partidas, andaimes, areia e cimento. Estavam nesta altura, em plenas férias a fazer o isolamento exterior. Excusado será dizer que as nossas férias foram de fugir pois era impossivel estar em casa. No entanto, também não podiamos ir para fora pois os pedreiros estavam constantemente a precisar de nós, nem tinhamos dinheiro para isso. Era a energia que faltava, era a areia que acabava, era uma duvida ou outra que tinham. Enfim. O pavimento exterior nesta altura estava também ele em bruto. Era só areia preta, pregos, tabuas, um caos. Nesta altura e uma vez que estavamos de férias, conseguimos andar mais em cima da obra e constatámos que o empreiteiro não tinha ainda comprado o pavimento exterior, embora já lhe tivessemos dito há algum tempo qual gostavamos. Ficámos danados, principalmente porque tudo tinha prazos de entrega de quase 2 meses. Lá resolvemos inventar e com 3 tipos de pavimento que tinham em stock, adiantámos nós o dinheiro. Mais uma vez insistimos com o empreiteiro no cumprimento do prazo pois na 2ª quinzena de Agosto eu ia ter mais 15 dias de ferias e gostava de, pelo menos 1 semaninha estar sem homens das obras la em casa. Entretanto, tinhamos nós encomendado a piscina, também inteiramente paga por nós se a quisessemos ter a tempo de ainda ser gozada no verão. Pedimos para o empreiteiro fazer o que lhe competia e que tinha sido estabelecido previamente que era fazer o buraco e criar as condições para montar a piscina. E foi aí que as coisas começaram a dar para o torto. Uma vez que fomos nós directamente a comprar a piscina, o empreiteiro demitiu-se da responsabilidade de fazer a montagem da mesma. Ainda explicámos que tinhamos comprado nós porque tinhamos tomado a decisão no ultimo dia que garantia a entrega da piscina em tempo util. Explicámos que há muito que sabiam que piscina é que queriamos e só estavamos na duvida se iamos ou não fazer a piscina já. Quando finalmente tomámos a decisão, não houve tempo de passar a responsabilidade da adjudicação ao empreiteiro pois ainda por cima precisavam que nós lhes dessemos o dinheiro para serem eles a comprar, coisa que não tinhamos pois comprámos com crédito. O empreiteiro acabou por concordar montar a piscina e nós achámos que o valor da montagem já estaria incluida no preço da obra. Acrescentámos uns extras que considerámos que não estavam previstos, deixámos de fazer algumas obras que estavam previstas no orçamento inicial, tudo para que no final o saldo fosse perto de zero.

Qual não foi o nosso espanto, quando depois da piscina acabada, o empreiteiro nos apresenta um orçamento com quase 300 vezes mais do que aquilo que esperavamos. O equivalente praticamente ao preço da piscina.

Achámos ridicula aquela situação. O facto de fazer uma obra destas e apresentar o orçamento depois, com um valor exorbitante. Não aceitámos como é obvio. Ainda assim, atendendo a minha amizade com a engenheira que tinha sido apanhada no meio desta confusão, tentámos negociar por forma a que principalmente ela não ficasse prejudicada pois ainda por cima o empreiteiro tinha-a ameaçado através de nós, dela ter de pagar o valor que nós nos estavamos a recusar.

Depois de uma conversa meio exaltada entre nós e a minha amiga e de termos acalmado conseguimos faze-la entender que o problema estava na enorme desorganização do empreiteiro que faz obras sem orçamentos prévios e que aplica o dinheiro que nós lhe damos de uma forma desorganizada, ao que ela anuiu. Foi a primeira vez que ela trabalhou com ele, e nós não a podiamos condenar. É certo que quando nos metemos com pessoas que desconhecemos por vezes apanhamos surpresas menos boas, pois uma pessoa que parece optima pessoa, de confiança, justo, por vezes acaba por ser o contrário. As vezes não é por mal, é mesmo porque a pessoa se calhar não é tão competente como imaginavamos ou então é mesmo da personalidade da pessoa. Só com a experiencia é que aprendemos... e se aprendemos.

A obra ficou inacabada desde então. Ficou a faltar concluir o anexo que esta sem porta e com a janela antiga. Ficou por concluir o portão pequeno que acabámos por faze-lo mais tarde por nossa conta pois tratava-se da segurança da nossa casa, tal como o portão dos carros. Ficou por colocar uma porta para o vão das escadas. Ficou por acabar a escada que foi das coisas mais mal feitas que eu já vi. Ficaram os estores por afinar que todas as semanas há um que encrava vá se la saber porquê. Ficaram as janelas do 1º andar mal feitas o que deu origem a 3 inundações pois por esquecimento não furaram as janelas que permitiam o escoamento de água. Ficou por colocar um interruptor de luz, entre outros pormenores que continuam por esclarecer nomeadamente o facto de, de vez em quando, sem que nada o preveja, o quadro da luz ir abaixo como se estivesse algo em curto circuito.

Além de tudo isto, não temos qualquer garantia escrita do trabalho efectuado, ou seja, se de repente os estores se avariam, se a banheira ou as torneiras se estragam, se continuamos com infiltrações ou humidades, se a escada se parte, não sabemos a quem recorrer nem quem responsabilizar.

Depois das ferias tinhamos combinado com o empreiteiro a finalização da obra. Demos o valor que acordámos com ele e deixámos um pequeno valor para acabar quando a obra estivesse totalmente terminada com garantias e tudo. Ele concordou. Setembro passou, Outubro passou e nada. Tudo ficou tal como estava. Em Novembro o meu marido que estava pelos cabelos com toda esta situação e a controlar-se apenas por respeito à minha amiga, passou-se dos carretos, pois recebemos um telefonema do empreiteiro com uma ameaça. "Só coloco a porta e a janela do anexo em falta se pagarem a totalidade do que falta já. Sem isso não faço mais nada." Vimos logo o resto dos acabamentos em falta a irem pelo cano bem como as possiveis garantias. Tinhamos noção que se fizessemos o que ele queria, o mais certo era pirar-se e nunca mais o vermos. O meu marido não está mais com rodeios e faz o que há muito andava a ameaçar fazer. Contratar um advogado.

Um dia quando cheguei a casa, recebo a noticia que a carta do advogado já tinha sido enviada.

E foi assim que se perdeu uma amizade de mais de 10 anos. A minha amiga como era intermediária acabou por levar por tabela. O advogado aceitou o nosso caso e pediu contas ao empreiteiro e... à minha amiga. Deu um prazo limite para a conclusão da obra e apresentação de todas as garantias e pediu indemnização por danos causados por incumprimento do prazo estabelecido.

E a minha amiga deixou de falar comigo. Com razão talvez... ou talvez não. Pedi desculpa a ela por o que se passou. Sei que ela não tem culpa directamente mas indirectamente e perante o advogado vai ter que assumir alguma responsabilidade. Se estamos a ser justos com ela? Se calhar não. Mas também ninguem foi justo connosco. E ela sabe disso. Ou melhor, devia saber disso. Ela tem duas opções. Ou fica do lado do empreiteiro. Ou fica do nosso lado. Não é uma opção facil mas eu sei qual seria a minha. Entre escolher assumir um erro e escolher a amizade de mais de 10 anos, ou escolher o profissionalismo, o orgulho e uma pessoa que conhecemos há 1 ano, eu decidamente sei qual seria a minha opção. Mesmo que no meu intimo achasse que a minha amiga não teria tanta razão assim. Eu escolhia a amizade. Mas isso sou eu.

ADENDA: Mas a amizade afinal não se perdeu, pelo contrário... renasceu das cinzas, mais forte que nunca... quanto ao empreiteiro esse... sabe-se lá onde anda. As obras assim ficaram... assim se encontram. ainda hoje (04/04/2014)

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