terça-feira, 20 de abril de 2010

O mistério do número 13

“Fica o número 13...


Com este número odioso gravado na retina, ponho-me a andar a toda a pressa. Procuro as ruas mais estreitas, onde há menos luz e o movimento é menor. Na penumbra, avultam carroças de muares enormes e tranquilas roendo o jantar com as cabeças mergulhadas nas alcofas. Junta-as gente nas tabernas, donde sai um rumor grosseiro de vozes e de louças que se entrechocam, e um fumo acre de azeite queimado e peixe frito. Um fumo azul... Olho o céu: é noite fechada e, por cima dos telhados, alastra o clarão sanguíneo das luzes e passa confuso o clamor das buzinas dos autos.


- Perdão, queira desculpar...


Um moço de casaco amarelo esbarra comigo, ao sair duma tabacaria para pôr os taipais. São horas de fechar. Entro e peço um copo de água. Há luz de gás, como noutro tempo. Lembrou-me agora a Baixa vasta e sossegada, que a melancolia verde do gás iluminava, a Baixa da minha infância, com o seu ar tão simples e honesto, limpa e discreta... E sinto saudades.”


(José Rodrigues Miguéis, Páscoa Feliz, Estúdio Cor, Lisboa, 1974)



DESENLACE 1

Saudades dos meus tempos de inocência, desconhecedor do significado da palavra maldade, onde passava os dias entre o jogo do pião e as corridas intermináveis com meia dúzia de camaradas lá do bairro. Oiço uma sirene ao longe. O jogo acabou para mim. Ali era a minha meta. Quem me dera não ter recebido o telefonema maldoso que me levara ao número 13 da Rua Direita onde apanhara a minha companheira de 10 anos envolvida em laços de prazer carnal com o meu melhor amigo. Acabo de beber o meu copo de água mas a garganta ainda parece cortiça naquela secura característica de quem atravessou um deserto. Dirijo-me à saída, com ar encovado, olhos cabisbaixos e pego na pistola que tinha ceifado a vida da minha mulher. O moço do casaco amarelo olha-me com surpresa e temor e no momento em que ia gritar socorro aponto a pistola à minha nuca e fechando os olhos acabo com o sofrimento.

DESENLACE 2


Saudades da minha vida antes de ter enveredado por caminhos escuros e agrestes onde a honestidade e a pureza eram rainhas. A água escorria na minha garganta a custo pois a boca permanecia seca e impenetrável. O meu coração parecia saltar do peito ainda não querendo acreditar no que acontecera no número 13 da Rua Direita. Está na hora de fechar, diz o moço em jeito de despedida. Lá fora ouvia o barulho das sirenes cada vez mais perto. Teriam já encontrado morto no chão o meu sócio e não levaria muito tempo a encontrarem os diamantes da discórdia na pasta preta que com a pressa deixara para trás. Enfio o chapéu de pele castanha na cabeça, aperto a gabardine e com o passo célere, dirijo-me para a porta, quando de repente sinto uma dor como se fosse uma espada a trespassar o meu peito. Olho para baixo e vejo uma mancha de sangue escarlate a inundar todo o meu corpo. Caio no chão sem forças para lutar.

(Ambos by ME)

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